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Reforma tributária atrairá o foco em 2021

Ainda no início deste ano, o mercado se preparava para um período de recuperação e tinha esperança de que uma pauta em especial avançasse consideravelmente: a reforma tributária.

Em março, a pandemia da Covid-19 veio como um balde de água fria e se impôs sobre todos os assuntos. Depois, foi a vez das eleições municipais atraírem as atenções.
 
Mas a reforma tributária não ficou esquecida e deve voltar à tona com força total em 2021, até mesmo pela sua capacidade de contribuir com a guinada econômica esperada por todos os brasileiros no ano que vem.
 
O governo federal apresentou, ainda em agosto, a primeira fase de seu projeto de Reforma Tributária, propondo que as contribuições ao Pis/Cofins sejam substituídas pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), como um tributo federal sobre valor agregado. Há a possibilidade de convergência para criação, desde já, do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que além do Pis/Cofins, unificaria também o ICMS e o ISS, e o IPI seria transformado em "Imposto Seletivo".
 
Na Fase 2 devem ser feitas alterações no IPI, reduzindo sua abrangência de modo a torná-lo um "imposto seletivo" sobre alguns produtos, como cigarros e bebidas.
 
Na Fase 3 são esperadas modificações no imposto sobre a renda. No caso do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) deve haver aumento da faixa de isenção e maior progressividade. No caso do IR Pessoa Jurídica é esperada a redução da alíquota e a tributação da distribuição de lucros e dividendos.
 
Na Fase 4 haverá desonerações na folha de salários. Discute-se a eventual compensação da redução de arrecadação com a instituição de tributo sobre pagamentos (a saber se de fato semelhante à antiga "CPMF") ou digital.
 
Com o avanço das discussões e implementação das mudanças relacionadas à CBS, ou eventualmente do "IBS", haverá uma profunda alteração na forma de "tributação do consumo" em nosso País, determina a PwC. A empresa realizou ao longo deste ano webcasts para discutir os principais temas da reforma tributária e seu impacto em alguns setores. Participaram profissionais da companhia e também especialistas de outras áreas do mercado.
 
Para a PwC, a nova sistemática de tributação e respectiva alíquota deverá afetar, de diferentes formas, as cadeias de valor nacionais para produção e comercialização dos bens e/ou serviços do seu negócio. "Em cada setor ou para cada produto é incerta a capacidade de transferência integral do ônus econômico da CBS, ou do IBS, no preço final ao consumidor, pessoa natural, pois a nova distribuição proposta para esta carga tributária também pode impactar a demanda por referidos bens e/ou serviços", salienta.
 
O efetivo impacto tributário final da CBS, ou do "IBS", nas cadeias de valor dos setores empresariais dependerá de variados fatores como, por exemplo, o peso da folha de salários na composição do respectivo custo de bens e serviços, o regime de tributação da pessoa jurídica (ex.: cumulativo ou não cumulativo), o modelo de negócios adotado (ex.: segregação ou integração de atividades, venda em cadeia de empresas B2B ou ao consumidor final B2C), preços de transferência, aplicação de regimes monofásicos, isenções, dentre outros. "Especial atenção também deverá ser dada aos efeitos advindos das fases 2, 3 e 4 da reforma, a serem propostas pelo Executivo".
 
A interpretação da futura eficácia de algumas disposições do projeto de lei que propõe a CBS comporta controvérsias, que possivelmente serão sanadas no processo que está se iniciando no Legislativo. "Nos parece fundamental que a representatividade de todos os segmentos empresariais na discussão da proposta contribua para seu aprimoramento, enquanto projeto de lei", indica a PwC.
 
A expectativa de todos é que Executivo e Legislativo evoluam rapidamente nas discussões e realizem finalmente a reforma tributária brasileira, sem elevação da carga tributária atual e que traga, acima de tudo, simplificação e racionalidade ao Sistema Tributário Nacional, contribuindo positivamente para o ambiente de negócios do País.
 
Mudanças no sistema tributário serão essenciais para reativar a economia
 
Após uma grande parada devido às eleições municipais e seus desdobramentos nos últimos três meses de 2020, o sócio da área tributária da PwC, Giancarlo Chiapinotto, sustenta que a reforma tributária deve caminhar no ano que vem. "Estamos em uma guerra contra a pandemia e os setores começam a se recuperar. É a hora de focar na modernização da estrutura tributária brasileira", salienta.
 
Para ele, é possível usar esse momento para repensar os aspectos fiscais e estimular a economia. Por isso, é fundamental que não haja aumento de impostos, como aconteceu na última grande revisão dos aspectos fiscais na década de 1990.
 
"Chega um momento em que aumentar imposto não ajuda a resolver a crise fiscal porque começa a diminuir a arrecadação. Temos que investir em simplificação e em mais segurança jurídica", ressalta Chiapinotto.
 
A reforma tributária, em conjunto com a reforma administrativa, são duas ferramentas relevantes para o equilíbrio fiscal no Brasil. "Eu acho que vai ter que ter um grande comprometimento do legislativo para tentar compor. É complexo ter muita reforma andando lá (no Congresso Nacional)", lembra Chiapinotto.
 
Além da reforma tributária apresentada pelo governo federal, outros dois projetos, um deles do Senado e outro da Câmara dos Deputados, estão em tramitação.
 
Para a PwC, a reforma tributária deve ter como princípio provocar redistribuição da carga tributária entre empresas, entre setores, entre produtos e serviços. A proposta da CBS se assemelha, de fato, ao IVA como regra geral. Porém, pode representar tributo cumulativo, por exemplo, para os setores financeiro e do agronegócio, podendo ainda gerar impactos indiretos no incremento do custo de capital dos segmentos de infraestrutura e energia, dentre outros.
 
"O impacto em cada negócio deve ser avaliado cuidadosamente, caso a caso", ressalta Chiapinotto, inclusive quanto ao efeito na demanda de bens e serviços, considerando-se a efetiva transferência do ônus econômico da CBS para o consumidor final.
 
O gerente de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mário Sérgio Telles, participou de um dos webcasts sobre o tema. No encontro online, ele defendeu que a simplificação do sistema tributário é condição para o crescimento econômico do País. "Se há críticas ao projeto por setores onde a folha de pagamento é componente relevante dos custos, há que se salientar que caso o tributo seja "IVA", o valor do trabalho (i.e.folha de salários) e a margem de lucro compõem exatamente o "valor adicionado" que se pretende tributar em cada etapa da cadeia de valor", disse Telles.
 
Para ele, são positivos o aumento da transparência com o cálculo "por fora", a redução de distorções nas condições de concorrência pela redução de regimes especiais e desonerações e o maior equilíbrio da carga entre setores. "No entanto, entendo que a reforma deva ser mais ampla, incluindo outros tributos que ainda causam distorções do sistema tributário", pontuou o gerente de Política Econômica da CNI.
 
Já a assessora especial do Ministro da Economia, Vanessa Canado, defendeu que é preciso entender a sistemática do IVA, que tributa valor adicionado compreendendo trabalho e lucros. "Também é preciso pensar no desenvolvimento do País como um todo e agora é o momento para debates e ajustes no PL. Temos cargas tributárias diversas não apenas entre setores, mas também entre empresas, porque foram criadas exceções, e isso torna muito difícil o trabalho de reequilíbrio", sustentou Vanessa.
 
"É nossa obrigação mostrar a questão lógica do IVA de reorganizar este cenário, motivando o aumento da produtividade e a geração de renda. O governo procurou redigir um PL que não comportasse exceções, evitando o excesso de esclarecimentos", disse a representante do governo federal.
 
Setor financeiro sustenta que a reforma é pouco aprofundada
 
O setor financeiro, incluindo as seguradoras, exerce um papel relevante para a sociedade, por meio da viabilização do crédito e da gestão de riscos, entre outros processos que fomentam a economia e o ambiente de negócios do País. Há grande expectativa em relação a uma reforma tributária que traga racionalidade e simplificação ao sistema tributário brasileiro, por meio, por exemplo, da substancial diminuição da judicialização de temas relacionados às contribuições ao Pis e à Cofins.
 
A proposta da CBS, que unifica essas contribuições, em princípio não difere relevantemente do que já ocorre em relação à carga tributária do setor (não podendo deixar de ser notada a mudança da alíquota), mas traz dúvidas que, se não sanadas claramente no texto final da eventual norma, podem resultar em disputas judicializadas. Seria um avanço se o texto fosse mais específico, ao detalhar, por exemplo, o conceito de "auferimento total de receita bruta", defendem representantes do setor.
 
O membro do comitê de assuntos tributários da Associação Brasileira de Bancos Internacionais (ABBI), Charles Ambrosi, sustenta, no entanto, que "apesar de a simplificação ser um dos intuitos da Reforma, este aspecto, no caso das instituições financeiras, ficou mais relacionado ao pagamento de um único tributo do que a uma alteração mais ampla".
 
O diretor setorial adjunto da Comissão Executiva Tributária da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Décio Porchat, lembra que o consenso da necessidade de fazer uma reforma tributária se intensificou por causa da instabilidade legislativa, "o que gera elevada insegurança jurídica em razão do tamanho do País". "O sistema atual não estimula os negócios e, portanto, prejudica o crescimento econômico e aumenta a desigualdade social. É importante a desmistificação da discussão sobre o modelo de tributação do custo do crédito e reconhecer o impacto positivo que o setor bancário possui sobre o crescimento da economia brasileira", defendeu Porchat.
 
Saúde teme aumento da carga tributária
 
Analisando-se a cadeia típica do setor de saúde, a conclusão é que a CBS e sua respectiva alíquota acabaria por aumentar a carga tributária sobre o consumo de serviços do setor. Haveria, ainda, alteração de carga nos insumos tangíveis adquiridos por hospitais, clínicas e laboratórios (remédios, químicos, máquinas e equipamentos, por exemplo), que poderia ser mitigada com uma possível redução do IPI ou não incidência de um futuro Imposto Seletivo, dada a essencialidade desses produtos.
 
Há ainda um receio com a incidência da CBS com alíquota majorada sobre aluguéis e no custo de capital de terceiros (juros bancários). "Todo esse incremento de carga tenderia a ser repassado aos pacientes ou aos pagadores dos serviços de saúde (seguradoras e planos de saúde), que por sua vez apurariam a CBS por sistemática diferente e cumulativa, e sem aproveitamento de créditos, quebrando-se a cadeia do racional do IVA perfeito". Essas foram as conclusões do Webcast sobre o impacto da reforma nesse setor.
 
Um dos participantes do evento online, o diretor do comitê jurídico da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (ABRAMED), Fabio Cunha, afirmou que o movimento migratório da saúde suplementar para o SUS tem se agravado nos últimos meses, resultando na saída de 300 mil beneficiários dos planos de saúde. "Nos últimos anos, mais de 4 milhões de beneficiários já deixaram esse sistema. A reforma tributária, do jeito que está, trará impactos negativos para o setor, tais como o aumento da carga tributária de 171%, no caso da PEC 45/2019, e de 80%, no caso do PL 3.887/2020", anunciou Cunha. Ele ressaltou, ainda, que se a ideia é adotar um IVA nos padrões internacionais é preciso saber que 90% dos países que o adotam mantêm alíquotas reduzidas ou isenção para o setor de saúde.
 
A diretora jurídica da ANAHP, Kamila Fogolin, complementou que a preocupação que se tem hoje, além dos efeitos da pandemia de Covid-19, é o aumento da carga tributária que ocorrerá com a reforma e o impacto que isso pode causar no nível de emprego do setor. "O custo dos hospitais é composto majoritariamente por mão de obra de pessoa física que não geraria direito ao crédito de CBS ou IBS", lamentou Kamila.
 
"Para mitigar o risco de migração de pacientes para o SUS, seria preferível, ao invés da diferenciação de alíquotas, outra solução mais direcionada às famílias de classe média, como a restituição dos tributos e descontos (rebates) operados por seguradoras e planos de saúde para essas famílias", defendeu o diretor do CCif, Bernard Appy. Para ele, o modelo mais eficiente para o IVA é o que não diferencia setores, produtos e serviços.
 
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